letter to autumn | #3

Letters To Autumn 10.6.16
Outonos são para nostalgia. 

Ela faz parte de mim na maior parte do ano, mas especialmente no outono a nostalgia se manifesta em pequenas tradições criadas na última década. 


Começa com uma dose de café e um cobertor felpudo. Retiro meus DVDs antigos da caixa e então nosso reencontro acontece. Vou para Stars Hollow, me junto à elas em uma de suas conversas articuladas sobre picles ou algo assim no Luke's e torço fielmente para que uma delas dê logo uma chance à um dos meus bad-boys favoritos. Pego um moletom quentinho e outro café, passo mais algumas horas dando boas risadas de cada comentário sarcástico daquele francês do hotel e fazendo listas mentais de todos os livros que ainda tenho que ler. Hora de ir trabalhar, continuaremos no próximo dia de outono...


Tiro minha coleção de lenços e cachecóis preferidos do armário, misturo sweaters com jaquetas já que a temperatura está abaixando mais do que o normal. Aproveito também para usar aquele gorro que comprei ainda quando era verão, já que nunca é cedo demais para começar a comprar roupas de outono. Escolho o livro que irá me acompanhar no meu trajeto costumeiro e permito me perder em mundos diferentes por alguns minutos, sempre com uma música mais suave ou acústica para me acompanhar. Observo a beleza do dia por alguns instantes, seja o cinza escuro ou o amarelado discreto que me enche de energia. Desço no ponto mais distante e sigo a pé em dias de sol, nada melhor para aproveitar sua mistura incrível com o vento gelado. Dou bom dia aos meus colegas de trabalho com um sorriso no rosto: é outono. 



O frio tira a sensibilidade da ponta dos meus dedos na volta, mas logo me coloco sob o cobertor felpudo novamente, geralmente após uma sopa fumegante. Alguns episódios da série que estou viciada no momento, apenas mais alguns capítulos daquele livro à luz de velas ou alguns minutos de meditação para finalmente fechar os olhos por algumas horas.

Nada é perfeito, mas certos dias de outono são. 

letters to autumn | #2

Letters To Autumn 4.4.16
Certa noite sonhei com você.

Se quer consigo lembrar qual era a situação, mas lembro que tudo o que eu desejava era fugir do seu toque cada vez que me lembrava que aqueles dedos eram seus.


Era diferente quando no outono andávamos de mãos dadas sob as árvores ou rumo a praia. Eu usava uma blusa caída repleta de flores, uma tiara em meus cabelos, sapatilhas que machucavam os pés. Queria sempre ser melhor para você, ainda que relutasse ao máximo admitir.

O frio nos unia, seja dos corpos ou das almas. 

Então, as estações passaram. No corpo o calor habitava, mas sua alma congelara, levando a minha consigo. Eu fiz tudo o que pude, mas nada poderia nos salvar. Cobri meus olhos da verdade, tentei seguir às cegas pelo labirinto de nossas vidas, mas não consegui encontrá-lo. 

O último momento em que nos encontramos foi para dizer adeus. 

Com o passar dos anos percebi como seu amor nunca passara de uma forma de saciar o que lhe faltava por dentro. Era apenas uma mentira bem contada para o seu próprio aproveito e, no final, eu pude perceber seu truque sujo. 

Encontrei outros amores, segui em frente, mas nenhuma dor foi igual a sua.

Talvez seja esse o motivo pelo qual toda vez que meu ônibus passa por onde você costumava morar eu segure a respiração, torcendo para não vê-lo do outro lado da janela. Talvez seja esse o motivo de você ainda invadir meus sonhos vez ou outra, mesmo depois de tanto tempo. 

Ainda que sinta repulsa do seu toque em meus sonhos, no outono sempre me pego pensando naquelas tardes andando sob as árvores, descansando em seus braços em frente ao mar... 

letters to autumn | #1

Letters To Autumn 20.3.16
Faz-se outono.
Cenas passadas embaralham-se com o vento que sopra folhas que logo irão cair. 
Cair. 
Como eu, que fui de joelhos ao chão antes de vê-lo começar. Tão alto é estar ao alto, que descansar a cabeça sobre a madeira se torna alcançar o fundo do abismo. 

Elliott Smith canta uma das minhas canções favoritas em meio ao tumor emocional que se instalou. Robbin Williams repete constantemente em meus ouvidos que não há culpa a ser tomada por mim. A lição é difícil de ser aprendida, apesar de parecer tão fácil. 
Miss Misery se junta aos créditos finais. 
Uma. 
Duas vezes. 

O sol da tarde ilumina os prédios ao meu redor. Controlo a respiração, busco focalizar os raios de luz como o guia que eu havia lido me informou. Tudo mudou. Vejo a luz, mas por dentro é difícil encontrá-la. Preciso do conforto de 45 minutos com urgência antes que os comprimidos não façam mais efeito.

Faz-se outono e, por meros segundos, tudo parece um pouco mais promissor.

Até que uma dose de palavras cruéis traz de volta o gosto metálico à minha boca, arruinando-a por horas a fio... Tudo mudou, mas nada realmente mudou. Estou de volta aos 13 ou 14.
Na verdade, estou de volta à todas as vezes em que não consegui ser mais do que esperavam que eu fosse. É um padrão tão bem estabelecido que nem mesmo a indiferença é capaz de me proteger mais. 

Sou Will Hunting. 
Todos vêem o potencial. No entanto, as decisões que tomo estão sempre erradas.
Sou Will Hunting. 
Não há nada sobre mim que você queira realmente saber. 
Não há nada que eu possa um dia contar, ainda que tente por meio de palavras sinuosas que visam anular tudo o que realmente quero dizer. 

Faz-se outono. 
Cenas passadas embaralham-se com o vento que sopra folhas que logo irão cair.
Passo pelas ruas, livre, com um sweater cinza e um pequeno brinquedo em mãos. É 1997, ou assim eu desejo que fosse. O mundo ainda fazia sentido. O lugar que eu costumava ir já não existe mais, assim como as pessoas com quem eu costumava conviver. O vento sopra meus cabelos cortados rente aos ombros. Nada será igual. 


Faz-se outono e peço, mais uma vez, que os ventos levem consigo tudo o que me faz sofrer. 
E que deixem apenas o que for bom e verdadeiro, como faz às árvores. 

Faz-se outono...